Tenha você 20, 30, 40, 50 ou 60 anos, em algum momento de sua vida se perguntou o que tinha de Eduardo ou de Mônica. Ser jovem é se identificar com o igual – e, muitas vezes, almejar o diferente. A narrativa com melodia solar envelheceu bem – Renato Russo compôs “Eduardo e Mônica” em 1980, antes de formar a Legião Urbana, dois anos mais tarde. A canção integrou o álbum “Dois” (1986) da banda, e teve gravação anterior, caseira, quando o vocalista e letrista era o Trovador Solitário.Quase uma década depois de levar para a tela outra crônica em formato de canção de Russo – a epopeia de contornos trágicos “Faroeste caboclo” (2013) –, o realizador brasiliense René Sampaio embarca em nova aventura baseada em um sucesso da Legião. Com lançamento nesta quinta (20/1) nos cinemas de todo o Brasil – serão cerca de 500 salas, número ambicioso para uma produção nacional no cenário da pandemia –, a comédia romântica “Eduardo e Mônica” traz Gabriel Leone e Alice Braga nos papéis-título.
BRASÍLIA OITENTISTA
A canção integra o imaginário do brasileiro. Mas tendo Sampaio, de 46 anos, nascido em Brasília e vivido na capital federal sua adolescência quando a Legião estourou, isso faz a diferença. “Eduardo e Mônica” é ambientado no mesmo 1986 em que a música foi lançada.
“Não podia mudar a essência. Para mim, é a história de um garoto que vira homem, a mesma experiência que tive nos anos 1980, o que torna o projeto mais pessoal. Também queria fugir das novidades, Facebook, Whatsapp, Instagram… Nada disso tem a ver com a história. Ela é muito mais humana quando o Eduardo leva o jornal para a Mônica, mostrando que tinha passado no vestibular, do que se ele tivesse mandado uma foto pelo Whatsapp”, comenta Sampaio.
Começo, meio e fim da letra são apresentados quase ipsis litteris na tela. Eduardo e Mônica realmente se encontram no Parque da Cidade – ela chega de moto, ele de “camelo”, como eram chamadas as bicicletas na Brasília da época (o modelo é Caloi Cross, unanimidade oitentista). Eduardo assistia a novelas e jogava futebol de botão com o avô (Otávio Augusto faz um militar da reserva, contraponto com a Mônica cheia de ideias progressistas).
A festa estranha com gente esquisita é o momento de virada da narrativa. É ali, quando a reticente Mônica (que no filme não estuda, mas é jovem médica e artista plástica diletante) resolve dar uma chance ao garoto de 16 anos com aparelho nos dentes. Tímido e deslocado, Eduardo se enche de coragem e sobe ao palco para interpretar “Total eclipse of the heart”, a balada amorosa de apelo kitsch que fez a glória da cantora Bonnie Tyler.
Hoje em dia, não há problema algum em se assumir fã da canção. Mas 40 anos atrás, para fãs de Bauhaus e Siouxsie and the Banshees, entoar a música de apelo épico para a plateia de darks foi um ato de extrema determinação do menino. É neste momento que a performance de Gabriel Leone, com (aparente) fragilidade e sinceridade tocantes, acaba se tornando o eixo central do filme. Você torce por ele a cada cena, mesmo sabendo o que vai acontecer.
Alice Braga se diz impressionada com Leone. O filme, vale dizer, foi rodado em 2018, quando o ator tinha 25 anos. “Ele estava vindo da série ‘Onde nascem os fortes’ (interpretou o empresário e paleontólogo Hermano Gouveia), então estava um homem, musculoso, de cabelo raspado. Fez um trabalho corporal grande, emagreceu para entrar no corpo de um garoto de 16. Lembro o dia que o vi, com aparelho, nova postura. Era outro ser humano”.
‘PERFEIÇÃO’ E O BRASIL
Nascida em 1983, Alice, na adolescência, foi apresentadaa “Eduardo e Mônica” pelo roteirista e diretor Jorge Furtado, amigo de sua mãe, a atriz Ana Braga. “A gente passava férias juntos e me lembro de ele me dizer: ‘Preste atenção que (a música) é uma história’. Todo o mundo, goste ou não de Legião, conhece, sabe ao menos cantarolar. Me deu um frio na barriga (quando foi convidada para o papel). Vi que precisava me aprofundar na jornada dela, que seria a espinha dorsal do filme, e criar um contraponto com o Eduardo. Ouvi muito Renato Russo, principalmente ‘Perfeição’, pois dizia muito sobre o Brasil da época e diz muito sobre o de hoje”, continua Alice.
Para os brasilienses vai ser fácil encontrar as referências. “A gente filmou muito da Brasília de quem vive na cidade, mas tentando fugir dos cartões-postais. Tentamos fazer como o brasiliense fazia na época”, conta Sampaio. Eduardo e Mônica terminam uma noite escalando o mosaico de pedras do Teatro Nacional. Em outra sequência, brincam de fazer sombras no Congresso. Hoje, isso é proibido, mas na época era bastante comum entre os jovens.
O filme traz uma trilha sonora deliciosa para os nostálgicos. “Take on me”, do A-ha (1983), “Private Idaho”, do B-52’s (1980), “Tainted love”, do Soft Cell (1981), “Should I stay or should I go”, do Clash (1982), surgem em gravações originais, assim como “Bichos escrotos”, dos Titãs (1986), e “London, London”, de Caetano Veloso (1971). E, claro, a música-tema.
Sampaio admite que boa parte do orçamento foi para os direitos autorais das canções. “Noventa por cento do que está ali foi o que eu queria. Teve uma música caríssima, que não conseguimos pagar, e outra dos Ramones, que mandamos uns 300 e-mails e nunca foram respondidos.”
MOMENTO CERTO
Originalmente o longa estrearia em junho de 2020. Diretor e atriz se disseram muito chateados com o adiamento, mas o lançamento postergado é visto agora como positivo. “Olhando em perspectiva, talvez seja o momento certo. Na época, talvez fosse só mais um filme brasileiro legal. Agora, é um filme que traz felicidade, bons sentimentos, que pode significar a reconexão do brasileiro com o cinema nacional na sala de cinema”, diz Sampaio.
Alice Braga concorda: “O país está todo muito machucado pela pandemia. Estamos com um governo que preza a morte, a não aceitação da diferença. Lançar um filme que fala de amor, de encontro, para que as pessoas dêem risada é para celebrar o nosso cinema.”
Sampaio não vai parar com “Eduardo e Mônica”. Pretende lançar o terceiro longa baseado em uma canção da Legião, fechando a trilogia que sempre imaginou fazer. Ainda em negociação pelo título, não entrega qual é de jeito nenhum – nem a própria Alice sabe qual foi a escolhida.
Leo e Fernando, como tinha de ser
“O Eduardo e a Mônica existem, mas não querem ser conhecidos”, afirmou Renato Russo para uma rádio nos anos 1980, arquivo fácil de encontrar no YouTube. Os nomes que inspiraram o casal mais célebre de uma canção dos anos 1980 há muito foram revelados: a artista plástica Leo (Leonice) Coimbra e Fernando Coimbra. Ela era amiga de Renato e, na época, estava começando a namorar o rapaz mais jovem. Estão juntos até hoje.
Fonte: Estado de Minas – EM